Lideranças indígenas se juntaram a trabalhadores de belo monte, na Alepa, para denunciar grandes projetos
Véspera do Dia do Índio, lideranças indígenas e de movimentos em defesa do direito do índio se manifestaram contra os grandes projetos que estão em desenvolvimento no Estado, ontem, na Praça Dom Pedro II, em frente à Assembleia Legislativa do Pará (Alepa). Trabalhadores da usina de Belo Monte também participaram do ato público para denunciar as péssimas condições e as "falsas" promessas de trabalho oferecidas pelo consórcio construtor da obra. Dentro da Alepa, no auditório João Batista, parlamentares e representantes do Ministério Público Federal (MPF), Ibama, Funai, Secretaria de Saúde do Índio, aldeias indígenas e operários de Belo Monte discutiram os projetos de hidrelétricas na região, levando em conta a população atingida. No entanto, a sessão, que já começou com uma hora e meia de atraso, foi interrompida por falta de energia elétrica e transferida, informalmente, para a praça.
O procurador do Ministério Público Federal, Felício Pontes, destacou que aquele era um momento histórico por unir num só debate os trabalhadores de Belo Monte e as populações afetadas pelos grandes projetos. Em seguida, ele anunciou que 153 hidrelétricas devem ser construídas nos próximos 20 anos na Amazônia, incluindo parte dos territórios do Brasil, Bolívia, Colômbia e Peru, financiadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). De acordo com o procurador, sete destas estão previstas para o Pará - São Luiz do Tapajós, Cachoeira do Caí, Jotobá, Jamanxim, Cachoeira dos Patos, Jardim do Ouro e Chacorão - e afetarão várias aldeias indígenas, entre elas Munduruku, Apiatá, Kayabi, Pombal e Traíra. Caso essa previsão se concretize, "várias comunidades indígenas e ribeirinhas vão para o fim, vão para baixo d’água", observou Felício.
Segundo o procurador, 32 comunidades indígenas serão atingidas no percurso de mais de dois mil quilômetros quadrados de áreas protegidas alagadas. Além disso, haverá interrupção na navegação, perda de ervas medicinais, prejuízos à reprodução de peixes migratórios e destruição de lugares sagrados para as comunidades indígenas, como o "Uel" (lugar de desova dos peixes migratórios que servem de alimentação para os ribeirinhos). "Será um genocídio cultural", afirmou, acrescentando que a usina de Belo Monte custará mais do que os R$ 31 bilhões de reais divulgados pelo consórcio construtor.
Felício Pontes informou ainda que há 50 ações judiciais contra a obra de Belo Monte, sendo 16 provenientes do MPF. "Todo mundo sabe que o rio Xingu demora seis meses para subir e seis meses para descer. A hidrelétrica dos sonhos deve ficar parada. Serão mil metros cúbicos de água que não serão suficientes para fazer gerar energia nem para uma das turbinas. Esse é um prejuízo não só para a economia, mas pelo que vai afetar", explicou.
Comunidades reclamam que foram ignoradas pelo governo federal
Uma reclamação comum entre as comunidades indígenas atingidas é que o governo federal não as ouviu antes de fazer o estudo na região em que a usina está sendo construída. De acordo com o procurador, esta é mais uma irregularidade da obra. "As condicionantes não foram cumpridas. A população de Altamira dobrou, a violência está crescente, o processo de licenciamento foi uma farsa", completou. Para o Ministério Público Federal, o uso de energias eólica (produzida a partir da força do vento) e solar (captação de energia luminosa) custaria mais barato para o governo federal e evitaria maiores impactos na vida dos povos indígenas.
Em concordância com o MPF, a diretora do Sindicato dos Servidores Federais (Sindsep-PA), Neide Solimões, reforçou o discurso das alternativas. "É uma situação que está destruindo a Amazônia. Têm outras fontes de energia, como a eólica e a solar. Eles dizem que é caro, mas não é mais caro do que eles estão dando para essas empreiteiras. Eles estão produzindo energia para as indústrias", criticou.
Já o diretor do Conselho Indigenista Missionário, Claudemir Monteiro, afirmou que hoje, no Dia do Índio, as etnias indígenas comemoram a "resistência diante das insistências do Estado Brasileiro em dizimá-las".
Para o presidente e autor do requerimento da sessão, o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), a situação dos indígenas é de "abandono" por parte dos governos. "É estarrecedor que à luz do dia se ouça a pouco mais de um quilômetro o barulho das motosserras permitidas pelo poder público. Não há paz possível para os povos indígenas com a possibilidade de morte, de tomada de terras. Há uma sensação de que as coisas pioraram. É aquela sensação de que não tem jeito, de que só cabe o desaparecimento dos indígenas. O que se quer destruir quando se violenta essas comunidades é destruir o futuro. Se o índio pega o celular, usa calça jeans, as pessoas já acham que não é mais índio. Eles têm o direito à eletricidade, às redes sociais", afirmou.
Tapajós está ocupado por tropas há 1 mês
Cerca de 230 agentes da Força Nacional, Forças Armadas, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal ocupam a terra indígena, localizada na região do Tapajós, há mais de um mês para garantir o estudo de uma hidrelétrica na área. O líder indígena Kabá Munduruku lembrou, ontem, a situação da etnia que leva no nome e pediu uma oitiva para que as preocupações dos povos indígenas sejam levadas em conta pelo governo federal.
Envolvidos na discussão de Belo Monte, os trabalhadores dos canteiros de obra da hidrelétrica participaram do ato público e da sessão na Alepa para denunciar as "ilusões" feitas a eles pelo Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM). Foi assim que Taironi Cardoso Vasconcelos, operário do alojamento, se referiu à situação dos trabalhadores que hoje se sentem enganados pelo consórcio.
"Considero o Belo Monte um presídio de trabalhadores e alojados. Fazem propostas de muito dinheiro, coisas boas e bonitas. Fui pra ganhar R$ 1.300, mas vi só R$ 400. Prometeram que eu visitaria minha família em três meses; quando cheguei lá era em seis meses. Pra não quebrar o contrato de três meses com a firma, continuei. Quando vi, as Forças Armadas já estavam revistando tudo nosso. No café, as forças todas metralhadas. Nos canteiros as viaturas passando toda hora. Falavam que a gente não tinha direito a nada. E assim começaram os conflitos. Belo Monte é uma vergonha para os trabalhadores brasileiros", relatou.
Fonte: Jornal da Amazônia
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