Enólogos Culturais
Carlos Lúcio Gontijo*
Andamos meio desanimados com a situação por que passamos no setor cultural, onde a Academia Brasileira de Letras (ALB) presta homenagem ao jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho; Tiririca, humorista eleito deputado federal por São Paulo, indiscutível e legitimamente, pois representa significativa parcela da população que, como ele, é analfabeta funcional (os que lêem e escrevem, mas não absorvem muito bem o conteúdo), torna-se membro da Comissão de Educação e Cultura do Congresso; o Ministério da Educação e Cultura patrocina livro de defesa do mau uso da línguaportuguesa, pagando por essa pérola a bagatela de cinco milhões de reais a uma ONG (sempre há uma entidade desta na jogada junto aos cofres públicos), que por sua vez destina 700 mil reais à iluminada escritora.
Depois, não contente com tal façanha, o MEC resolve distribuir cartilha contrária à homofobia a alunos das escolas públicas, alcançando crianças ainda sem opção sexual preconcebida e longe da contaminação inaceitável advinda do sentimento homofóbico que campeia doentiamente entre os adultos. Ou seja, o MEC, então contido por intervenção direta da presidente Dilma Roussef, pretendia influir na orientação sexual das crianças matriculadas na escola pública brasileira.
Ao largo de tudo isso, os professores seguem mal remunerados e afrontados por estudantes que não querem aprender, mas não aceitam nota ruim (nem eles nem seus pais), acompanhando os ditames de uma sociedade que não se permite guiar pelo mérito de seus cidadãos, prática que poderia fazê-la premiar o mais esforçado, o mais persistente e o mais bem preparado intelectualmente, fatores e predicados que fogem do controle das elites que primam cada vez mais em trocar o mais competente e capaz pelo mais esperto e sagaz, que está por aí – aos montes – ocupando cargos e recebendo honrarias até no mundo cultural e suas “igrejinhas” acadêmicas provincianas.
Como é do conhecimento de nossos leitores, moramos agora em Santo Antônio do Monte, cidade do Centro-Oeste de Minas Gerais, onde existe uma biblioteca comunitária fundada pelo idealista líder comunitário José Luís dos Santos, que leva o nosso nome. Pois bem, outro dia houvemos por bem enviar uma série de e-mails Brasil afora, solicitando doação de livros. Daí, recebemos, para nossa surpresa, a atenção de internautas distantes, pessoas sem rosto nem proximidade ou vizinhança, mas portadoras da chama da sensibilidade, que une e fortalece o inter-relacionamento social.
Dessa forma, julgamo-nos no dever de agradecer alguns daqueles amigos virtuais: Mardilê Freidrich Fabre, de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, que informou ter enviado à biblioteca que serve aos que habitam o Bairro Flávio de Oliveira, em Santo Antônio do Monte, três livros e dois audiolivros (trabalhos literários de sua autoria); Simoni Resende, funcionária pública da área de educação do Estado, residente em Divinópolis/MG; e o poeta Antônio Fonseca, representando os que nos são próximos, pois é amigo e frequentador de nossa casa, morador de Betim/MG, que doou três enciclopédias, somando cerca de 50 volumes.
Manifestações assim desprendidas nos abrem no coração uma vereda de esperança, mas não têm o poder de afastar a sensação de que, no mundo literário, os escritores e suas obras são tratados pelos críticos da mesma forma que os vinhos pelos ilustrados degustadores, que segundo pesquisas realizadas na França e nos EUA – citadas na “Folha” pelo articulista Hélio Schwartsman – são avaliados pelos enólogos sob a influência do nome, da marca, do preço das garrafas e do tipo exposto nos rótulos.
* Carlos Lúcio Gontijo é poeta, escritor e jornalista
www.carlosluciogontijo.jor.br
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