O caso Eliza Samudio X Lei Maria da Penha em cordel





Eliza Samudio e Maria da Penha

Por Salete Maria

O caso Eliza Samudio
Que tem chocado o Brasil
Emerge como prelúdio
De um grande desafio:
Exortar nossa Justiça
Pra deixar de ser omissa
Ante o machismo tão vil!
*
Trata-se de um momento
De grande reflexão
Pois não basta só lamento
Ou alguma oração
É hora de provocar
Propondo um outro olhar
Sobre processo e ação
*
Saiu na televisão
Rádio, internet e jornal
Notícia em primeira mão
Toda manchete é igual:
Ex-amante de goleiro
(Aquele cheio de dinheiro!)
Sumiu sem deixar sinal
*
Muita especulação
- discurso de autoridade-
Uns dizem que é armação
Outros dizem que é verdade
Polícia e delegacia
Justiça e promotoria:
Fogueira de vaidades!
*
Mei-mundo de advogados
Investigação global
Cada um no seu quadrado
Falando em todo canal
Subjacente a tudo
Um peixe muito graúdo:
Androcentrismo total!
*
A mídia fala em Bruno
Eliza e gravidez
Flamengo, orgia e fumo
- esta é a bola da vez! -
Tem muito 'especialista'
Em busca de alguma pista
Pra ser o herói do mês
*
E a história se repetindo
Mudando apenas o nome
Outra mulher sucumbindo
Sob ameaça dum homem
Uma vida abreviada
Cuja morte anunciada
A estatística consome
*
Assim é a violência
Lançada sobre a mulher
Ela pede providência
E cara faz o que quer
Mas a Justiça, que é lerda,
Machista, 'fazendo merda'
Vem com papo de mané
*
E oito meses depois
Da 'denúncia' inicial
Que é o feijão com arroz
Do distinto tribunal
Nadica de nada existe
Mas autoridade insiste
Que isto, sim, é normal:
*
“A culpa é do Instituto
Que não mandou o exame”
- isto soa como insulto
e daqueles mais infame-
Não era caso de urgência?
-tenha santa paciência!-
Para que serve um ditame?
*
A moça buscou amparo
Na Justiça do país
Agiu correto, é claro
E esperou do juiz
O tal reconhecimento
Sobre o pai do seu rebento
Tendo a vida por um triz
*
Também fez comunicado
Ao campo policial
Dizendo que o namorado
Praticou crimes e tal
Buscou as vias legais
Enfrentou feras reais
Terá sido este o seu mal?
*
Mesmo com a delegacia
Dita especializada
E com toda a apologia
De uma Lei avançada
Faltou ter a ruptura
Com aquela velha cultura
De que a mulher é culpada
*
E o cumprimento legal
No caso, muito importante
Seria mais um arsenal
Para enfrentar o gigante
Mudar a mentalidade
De nossas autoridades
É fator preponderante
*
E para que isto ocorra
Entre outra alternativa
Antes que mais uma morra
E o caso fique à deriva
É preciso compreender
Que Justiça é pra fazer
Enquanto a mulher tá viva!
*
Sei que nada justifica
Que haja tanta demora
E enquanto o caso complica
A vítima 'já foi embora'
Sem medida protetiva!
Sequer prisão preventiva!
Quanta inoperância aflora!
*
Se o exame era necessário
À elucidação do crime
O Estado-perdulário
Neste campo fez regime
Ficando no empurra empurra
No velho: ''mulher é burra,
e joga no outro time”
*
Todo crime tem problemas
De toda diversidade
Assim como há esquemas
Também há dificuldades
Mas pra mim é evidente
Que o machismo presente
Premia a impunidade
*
Machismo compartilhado
Por gente de toda cor
Do goleiro ao empregado
Do primo ao executor
Autoridades também
Implicitamente têm
Um machismo inspirador
*
Cada 'doutor' se expressa
Centrado no garanhão
É o mote da conversa:
Fama, grana e traição
Ao se referir a ela
Falam da menina bela
Que fez filme de tesão
*
Falta a compreensão
Da questão relacional
Gênero, classe, profissão
Cor e status social
O processo é narrativa
Que emerge da saliva
Falocêntrica-legal
*
E ainda que alguns digam
“Oh, Eliza, coitadinha”
E suas doutrinas sigam
Desvendando pegadinhas
A escola dogmática
Do direito-matemática
Perpetua ladainhas
*
Processo judicial
Só serve para punir?
Havia tanto sinal...
Não dava pra prevenir?
E a tal ação civil?
Alimentos deferiu?
Para o bebê consumir?
*
É um momento de dor
Para a família dos dois
O caso é multifator
Não basta dar nome aos bois
A lógica policial
Cartesiana e formal
Festeja tudo depois
*
Por isso se faz urgente
Conjugar gênero e direito
Pois um trabalho decente
Que surta algum efeito
Não se limita a julgar
Mas também a estudar
O cerne do preconceito
*
Homens que matam mulheres
Em relações de poder
Isto tem se dado em série
Mas é preciso entender
Que subjaz ao evento
Um histórico comportamento
Que vai construindo o ser
*
A nossa sociedade
Apesar da evolução
Reproduz iniquidade
E também muita opressão
Homem que bate em mulher
- E “ninguém mete a colher” -
Sempre foi uma 'lição'
*
Aprendida por goleiros
Delegados, professores
Motoristas, marceneiros
Pedreiros e promotores
Garçons e malabaristas
Médicos e taxistas
Juízes e adestradores
*
Por isto em nossos dias
De conquistas sociais
De novas filosofias
Direitos especiais
Não podemos aceitar
Justiça só pra apurar
Crimes tão excepcionais
*
Que a Justiça também
Sirva para (se) educar
Chega deste nhém-nhém-nhém
Deste eterno blá-blá-blá
A Lei Maria da Penha
Existe pra que não tenha
Tanta morte a lamentar!!!


Salete Maria


Lei Maria da Penha pune violência contra a mulher

Foi sancionada em 7/8 a Lei Maria da Penha — de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher —, que tornará mais rigorosa a punição dos agressores. O nome da lei é homenagem a Maria da Penha Maia, militante dos direitos das mulheres. A lei, que entra em vigor em 21 de setembro, altera o Código Penal, permitindo que o agressor seja preso em flagrante ou tenha prisão preventiva decretada. Acabam as penas pecuniárias, pelas quais os agressores eram condenados ao pagamento de multas ou cestas básicas. A pena de detenção, que era de seis meses a um ano, será de três meses a três anos.

Em 1983, o marido de Maria da Penha, o professor universitário Marco Antonio Herredia, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez deu-lhe um tiro, que a deixou paraplégica. Na segunda, tentou eletrocutá-la. Na ocasião, ela tinha 38 anos e três filhas, entre 6 e 2 anos, informou a Agência Brasil. Maria da Penha passou a atuar em movimentos sociais contra a violência e a impunidade e hoje coordena a área de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) em seu estado, o Ceará. Em decorrência da impunidade, em 2001 o Brasil foi responsabilizado por negligência e omissão em violência doméstica pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A nova legislação prevê medidas inéditas — a serem determinadas pelo juiz em até 48 horas — de proteção à mulher em situação de violência e risco de vida, desde a saída do agressor da residência e a proibição de aproximação física da mulher agredida e dos filhos, até o direito a reaver bens e cancelar procurações. Na área da assistência social, fica prevista a inclusão da mulher no cadastro de programas assistenciais dos governos federal, estadual e municipal. A ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, acredita que as mulheres em situação de violência se sentirão, a partir de agora, mais encorajadas a denunciar as agressões. Maria da Penha concorda e recomenda que a mulher denuncie a partir da primeira agressão. “Não adianta conviver, a cada dia a agressão vai aumentar e terminar em assassinato”, disse ela na solenidade.

Outra medida importante: a criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A secretaria vai instar os Tribunais de Justiça dos estados a que instalem esses juizados com o máximo de rapidez possível. A lei foi aprovada no Congresso sem alterações, “como ocorre com os grandes consensos democráticos”, afirma notícia no site da secretaria. Para Maria da Penha, a lei representa o primeiro passo para que homens e mulheres vivam de forma igual. “Precisamos caminhar para uma relação familiar mais harmoniosa”.

FONTE: Radis nº 49 – Setembro de 2006
www4.ensp.fiocruz.br/radis/49/sumula.html

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