A cidade que respira
Desafios do planejamento e marketing para a cultura
A cidade começa e termina nas avenidas que circundam a igreja. No alto da serra e no frio da cidade cearense a cultura se espalha pelos coqueiros e casinhas coloridas. “Guaramiranga é a cidade da cultura”, comenta o responsável pelo curso de planejamento e marketing para a cultura, Rômulo Avelar. Essa história marcou o mini curso e ficou na mente dos alunos. Guaramiranga tem cinco mil habitantes, conta com um teatro de 250 lugares e outro de 500. Lá existem seis grupos de teatro, grupo de tambores, metais, grupo de dança, coral de criança, festival internacional de jazz e gastronomia. Rômulo citava os grupos e festivais e eu aflita tentava anotar todos os nomes. Enquanto eu corria com as palavras, os alunos arregalavam os olhos: “ O que aconteceu com Guaramiranga ?”.
Depois de um breve suspense, Rômulo começa a desvendar o mistério: “Guaramiranga trilhou o caminho da coletividade”. Há 20 anos a cidade criou uma associação e reuniu sociedade e poder público em prol do incentivo à cultura. “Eles não tentaram inventar a roda. O ponto de partida foi o quintal de casa e trouxeram a técnica de fora para os grupos”, comenta Rômulo. Pra cultura não existem padrões, nem regras universais, mas Guaramiranga usou uma fórmula certeira. Reuniu os grupos e investiu em profissionalização, montou equipe e formou os agentes culturais.
Flávio Valle
Aliviados por compreender que a cultura tem um grande poder de transformação, inclusive econômica, os alunos entenderam a importância de sua labuta em transformar seus locais de atuação pela cultura. Com esse poder em mente, Rômulo fala dos avanços que o setor alcançou nos últimos tempos. Mas falar dos avanços puxa logo as dificuldades e as lacunas desse processo. Atualmente, há o boom cultural que tem abandonado, aos poucos, sua concentração no eixo Rio e São Paulo. A cada dia mais, o interior se atenta para a necessidade de participar dessa explosão. Muitos projetos regulares estão acontecendo e não dá mais pra dizer que em BH não acontece nada.
Depois do otimismo dos ganhos no setor, percebemos que a estrada ainda é longa. “62 mil pessoas trabalhando na área cultural. Onde estão essas pessoas? A gente se pauta mais pela diferença do que pela semelhança”, afirma Rômulo. Depois de um olhar panorâmico pela sala de aula percebemos diferenças nítidas no modo de vestir, maneira de se comportar e a área de atuação de cada aluno. Mas não estão todos ali para entender melhor esse contexto da cultura? Por que então nos reconhecemos pela diferença? Muitas perguntas vêm por aí..
A lista
Aí a lista de dificuldades foi se desenvolvendo. Omissão do poder público e as distorções da lei de incentivo. Quem traça política cultural no país? Será que as empresas são os melhores agentes para desempenhar esse papel? Ainda no âmbito das perguntas, em alguns momentos percebemos pensamentos uníssonos: “não, não são as empresas quem devem traças políticas para esse setor que é tão precioso para o desenvolvimento da sociedade”. Nesse sentido, Rômulo deixa claro a necessidade de uma convivência mais equilibrada entre mecenato e fundo. Uma terceira via entre os artistas que querem que tudo vire fundo e as empresas que querem usufruir a cada vez mais desse incentivo sem colocar a mão no bolso. Para esse comportamento das empresas que querem se esquivar da contrapartida e que exigem suas marcas estampadas em todos os projetos, Rômulo chama de marketing cultural furioso.
Fragmentação e descontinuidade das políticas públicas e dificuldades na captação… Bom, acho que nem é preciso falar sobre isso. Depois de discorrer sobre temas que o pessoal da cultura gosta muito de debater, Rômulo chega numa importante questão: “ninguém estuda a relação do público com a cultura. Será que eu vou ter que fazer isso?” Rômulo é o autor do livro “O avesso da cena”, justamente pela angustia com a carência de bibliografia e pesquisa na área da cultura.
Flávio Valle
No carnaval
Nada se compara ao carnaval que é no Brasil. Essa é a definição para o modelo de incentivo que foi criado no país. Enquanto na Europa, as empresas patrocinam os projetos e eles exigem uma descrição por parte dos patrocinadores, no Brasil, o marketing furioso parece ter assumido o seu lugar.
Enquanto no carnaval as alas das escolas de samba dão o tom e a organização devida para a festa que prima pelo caos, no Brasil não existem prioridades para as políticas culturais. “Melhor jeito de deixar um setor inerte é não definir prioridades”, resume. Daí a história de eventos: “Evento é só vento”.
Dentro dessa realidade de dependência com relação às demandas das empresas, Rômulo dá algumas dicas para a relação entre o gestor cultural no momento da captação de recursos. A primeira ênfase foi: “Nunca diga que você está pedindo patrocínio”. Rômulo acentua o fato de que se trata de uma parceria, o projeto cultural deve ser encarado como uma oportunidade para empresa e não o contrário.
Nesse contexto vale a regra: “Empresas diferentes têm necessidades diferentes” e essas necessidades não se resumem à questão da visibilidade. Elas podem querer ações internas, marketing de relacionamento com a comunidade, ampliar a relação com o poder público, etc. Vale analisar cada empresa separadamente e ter clareza das potencialidades do projeto.
Depois de tanto escrever e sabendo que ler dá canseira, vou repetir algumas questões abordadas em sala:
Idéia não é projeto
Estética é estratégia
Buscar convergência de público entre o projeto e o patrocinador
E termino com um enigma: “Vocês da área cultural estão sempre recomeçando do zero”. Quem sabe não seja essa a resposta para a consolidação de um mercado cultural sustentável no Brasil? Termino com uma pergunta, na esperança de várias respostas.
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