#FSM2016: Futuro e relevância do Fórum Social Mundial dependem de sua capacidade de reinvenção
Por Bia Barbosa
Intervozes e Ciranda Brasil
Terminou neste sábado (23), a edição temática do Fórum Social
que, além de celebrar os 15 anos do processo que teve início em 2001, aqui Rio
Grande do Sul, também se propôs a debater, com seriedade, as perspectivas para
a continuidade desta articulação global. A reflexão não começou agora. Já há
quatro anos as organizações que integram o Conselho Internacional do FSM (CI)
constataram que o espaço vinha perdendo relevância e a capacidade de pautar
agendas e articulações de impacto global. Muito diferente do que aconteceu em
2003, quando um chamado internacional pela paz saiu dos palcos do FSM em Porto
Alegre, às vésperas da invasão no Iraque, e levou milhões às ruas em todo o
mundo, hoje os obstáculos são muitos.
O mundo mudou bastante neste período, assim como as formas de
organização da sociedade civil e movimentos populares. O FSM, entretanto, não
conseguiu acompanhar de perto essas transformações. Atualmente, além das
dificuldades internas de aglutinação do campo progressista, o chamado movimento
altermundista enfrenta uma conjuntura externa muito mais complexa. E um inimigo
cada vez mais forte.
“A velocidade de cruzeiro que o
capitalismo alcançou em sua expansão está levando o mundo para o precipício. O
sistema se transformou numa máquina de produção enlouquecida, insaciável. Uma
máquina que, para produzir e ter lucro, destrói o que tem pela frente. Se a
barragem estoura em nome do lucro, não tem problema”, avalia Chico Whitaker, da
Comissão Justiça e Paz, um dos construtores do processo do FSM, em referência
ao crime ambiental da Samarco, em Mariana/MG. “É um sistema que está em crise,
mas que domina a comunicação global e assim faz todo mundo acreditar que outro
mundo não é possível nem necessário, que não há o que se fazer, que não estamos
fazendo nada”, acrescenta.
No que pese os percalços do
capitalismo, ele ainda é a força que detêm hegemonia política, econômica e
ideológica, acredita Givanilton Pereira, secretário de relações internacionais
da CTB. Na última mesa de convergência da programação deste Fórum Temático, o
sindicalista lembrou que foi contra esses propósitos que o FSM se articulou,
produzindo denúncias e mobilizações.
“Socializamos consciência crítica
para que os povos lutem e resitam contra a barbárie do capital. E a diretiva
“outro mundo é possível” se tornou inspiração para as lutas em todo o planeta”,
afirmou. Visões divergentes no seio do Fórum e as mudanças na conjuntura global
tem, entretanto, dificultado a capacidade de produção de uma resposta à altura
dos atuais desafios.
Para Oded Grajew, outro ativista
dos primórdios deste processo, hoje na Rede Nossa São Paulo, o FSM está em
crise, assim como as associações que dele participam. Reconhecer esta crise
deve ser o primeiro passo para enfrentá-la e encontrar saídas que permitam ao
“mundo do Fórum” dar um salto político.
“Temos que reconhecer nossa
responsabilidade sobre essa crise. Só conseguiremos reerguer as forças do outro
mundo possível e enfrentar o neoliberalismo se reconhecermos nossos errros,
fizermos uma relfexão sincera sobre eles e construirmos outras formas de dar
legitimidade às nossas ações. Se não
conseguirmos mudar, haverá muito poucos conosco”, alerta Grajew.
Caminhos possíveis
O diagnóstico é duro, mas há
caminhos possíveis. A presença de 15 mil pessoas nas atividades em Porto Alegre
ao longo desta semana comprova que, apesar de todos os seus limites, o FSM é um
legado antineoliberal e acumulou o patrimônio de articular organizações e
movimentos com profundo conhecimento teórico e político dos campos em que atua,
além de grande experiência pŕatica, como lembrou Pereira. Para o dirigente da
CTB, com uma estratégia bem definida, esta importante frente política social
pode jogar um papel maior na luta contra o capitalismo.
“Mas para isso devemos ampliar a
base política do FSM e forjá-la com objetivos comuns. Isso poderá maximizar sua
energia, aumentar a capacidade aglutinadora do Fórum e elevar sua força
transformadora. Essa é uma necessária atualização tática, para melhor se
posicionar frente à transição geopolítica em curso”, analisa.
“Temos que considerar que existem
novos sujeitos políticos se organizando, como os jovens que ocuparam as escolas
em São Paulo, os jovens que vão à luta contra o aumento das passagens de
transporte público, que lutam na África e na América Latina contra todas as
formas de opressão. É importante que se absorva essa rica experiência e é
necessário que o FSM seja o espaço de articulação de todas essas lutas”,
ressalta Dennis de Oliveira, professor da Universidade de São Paulo e membro do
coletivo de ativistas anti-racistas Quilombação.
O momento seria, portanto, de envolver no processo do Fórum e
dar visibilidade aos inúmeros e plurais sujeitos que tem protagonizado a
resistência dos povos nos territórios e que tem ampliado as agendas de lutas.
Dar conta dessa tarefa nada simples depende das opções que forem feitas no
caminho.
Uma delas, sempre motivo de polêmica, é se o FSM deve ou não
ser um espaço de tomada de decisão, com encaminhamentos e orientações concretas
a seus participantes feitas após os encontros mundiais – que agora ocorrem a
cada dois anos, mudança feita no curso desses 15 anos já como uma resposta às
dificuldades políticas e financeiras dos movimentos se encontrarem anualmente
em escala global.
“Buscamos novos formatos para que o Fórum possa, além de
reivindicar, também incidir concretamente e, quiçá, até implementar diretamente
algumas de suas propostas. Os sonhos tem que ter suas próprias ferramentas.
Esperamos que o FSM tenha a possibilidade de construir sua própria ferramenta de incidência”, almeja Cesare Otonini, da AIH/Itália.
Questões internas e externas
O desafio, porém, ultrapassa a
inclusão de novos atores e de processos decisórios. Passa, de certa forma, por
todo o funcionamento do Fórum, incluindo as responsabilidades de cada
organização membro do Conselho Internacional (composto por mais de 100
entidades) e a democracia interna do órgão.
“É possível oxigenar este espaço. E
já estamos avançando neste sentido, com boa parte da organização do próximo
Fórum Social Mundial sendo feita por jovens no Canadá, visto que o desafio de
oxigenação no CI passa pela juventude”, acredita Rogério Pantoja, dirigente da
Central Única dos Trabalhadores (CUT) e integrante do CI.
Por fim, será preciso também
relacionar os desafios internos com o processo externo vivenciado por governos
progressistas em âmbito global – e sobretudo na América Latina –, que chegaram
ao poder com apoio significativo das organizações e movimentos que participam
do processo do FSM.
“Não podemos desvincular nossas
questões dos impasses, conflitos e
limites que esses governos tiveram, e que agora estão implicando nas
derrotas que estamos tendo na região. Tais impasses são fruto de uma relação
contraditória desses governos com a ordem geral capitalista, que se utilizou
das ferramentas do capital para implementar uma série de políticas públicas”,
critica Nalu Faria, da Marcha Mundial das Mulheres. “Assim, não temos apenas
uma rearticulação das forças imperiais para combater em nosso continente, mas
também a incorporação e cooptação das nossas demandas no discurso do
capitalismo”, aponta.
Que a energia militante e a vontade
de construir lutas lado a lado, que animaram as discussões nos últimos dias em
Porto Alegre, sejam a base para a condução deste complexo e também conflituoso
processo de transição. “O futuro dependerá de como articulamos todas essas
questões”, concluiu Nalu.
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