TERRA: O que queremos para nossa agricultura?


Por João Pedro Stedile*


As transformações do mundo nas últimas décadas fizeram com que o centro de acumulação do capital fosse para a esfera financeira e para as corporações transnacionais. Isso trouxe graves consequências e promoveu um enfrentamento crescente entre dois modelos de produção na agricultura.

O modelo dos capitalistas é uma aliança entre grandes proprietários de terras, empresas transnacionais e sistema financeiro. As empresas fornecem insumos, compram os produtos, controlam o mercado e fixam preços dos produtos agrícolas.

Os grandes proprietários (cerca de apenas 40 mil, que possuem mais de mil hectares) entram com a terra, destruindo a biodiversidade e superexplorando os trabalhadores, para repartir a taxa de lucro da agricultura das empresas.

Esse modelo foi autodenominado de agronegócio. Adota a monocultura, para ampliar a escala de produção, com o uso intensivo de venenos e maquinaria pesada.

Essa matriz tecnológica provoca um desequilíbrio climático e ambiental para obter lucros e fazer negócios a quaisquer custos.

O próprio sindicato das empresas de defensivos agrícolas anunciou exultante que, na safra passada, utilizou 1 bilhão de litros de agrotóxicos (cinco litros por habitante). Somos o maior consumidor mundial de venenos.

Isso degrada o solo, afeta o lençol freático, contamina até as chuvas, além dos alimentos.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Instituto Nacional do Câncer têm alertado que o aumento de câncer está ligado ao crescente uso de agrotóxicos.

Os ricos e a classe média alta compram produtos orgânicos, mais caros. No entanto, o povo está à mercê dos produtos contaminados.

O agronegócio ainda aumenta a concentração da terra e da produção, pela necessidade de ganhar escala no plantio. O Censo de 2006 aponta que a concentração da terra é maior do que na década de 1920.

Estamos fazendo o caminho inverso ao da reforma agrária. Cerca de 80% das nossas melhores terras são usadas para produzir para exportação três produtos: soja, milho e cana. Além disso, o agronegócio é cada vez mais dependente do financiamento público.

Para produzir um valor anual de R$ 120 bilhões, esse modelo retira crédito nos bancos públicos (da poupança recolhida nos depósitos à vista), ao redor de R$ 90 bilhões.

Ou seja, é a população brasileira que financia o agronegócio, ao contrário da propaganda mentirosa que só exalta seus "benefícios".

Os movimentos sociais, junto com ambientalistas, igrejas e cientistas, temos alertado sobre esses problemas. Propomos outro modelo de agricultura, que priorize a produção diversificada, máquinas agrícolas adequadas a pequenas unidades, agroindústrias cooperativadas e técnicas agroecológicas.

Em vez de priorizar o lucro de grandes empresas e fazendeiros, temos que respeitar o equilíbrio do ambiente, produzir alimentos sadios, fortalecer o mercado interno, aproximando produtores e consumidores. Nossa proposta de reforma agrária popular é a adoção desse modelo, e não apenas distribuir lotes para os sem-terra.

O que está em jogo é a organização da agricultura brasileira.

O povo não tem dinheiro para financiar candidatos, mas o agronegócio anunciou a aplicação de R$ 800 milhões para eleger candidatos. Mas temos o voto e poder de mobilização. É preciso, nesse período eleitoral, cobrar dos candidatos posições claras. Os nossos recursos naturais devem ser utilizados em benefício do povo brasileiro.

A sociedade brasileira, cedo ou tarde, deverá decidir se o país continuará produzindo alimentos com venenos, porque dão lucros, ou se dará prioridade a alimentos saudáveis e à preservação ambiental.

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*JOÃO PEDRO STEDILE, 56, economista, é integrante da coordenação nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Via Campesina Brasil.
Artigo publicado na Folha de S. Paulo

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