Mudança real na relação entre Estados Unidos e América Latina?
Por Manuela Sisa de Caracas (Venezuela)*
"Parece que as mudanças que começaram aqui na Venezuela há uma década começaram a chegar à América do Norte". Essa foi a avaliação do presidente venezuelano, Hugo Chávez, sobre o resultado da 5ª Cúpula das Américas, realizada em Trinidad e Tobago, entre os dias 17 e 19 de abril. "As posições de resistência, de dignidade, de soberania e independência alcançaram (...) uma das maiores vitórias de nossa história", concluiu.
Apesar dos presidentes da região não terem chegado a um acordo sobre o conteúdo da declaração final da Cúpula, a diminuição da tensão existente nas relações entre Estados Unidos e a Venezuela, além da condenação regional ao bloqueio contra Cuba, marcaram o tom da reunião.
A "resistência" latinoamericana ao conteúdo da declaração final foi encabeçada pelos presidentes da Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), que se opuseram à assinatura do documento por este excluir, "injustificadamente", o debate sobre o fim do embargo à ilha governada por Raúl Castro e por "não dar respostas" à crise econômica internacional. O veto foi seguido, inclusive, pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Ao final do encontro, somente o primeiro-ministro de Trinidad e Tobago, Patrick Manning, havia firmado a declaração.
Mudança de postura
O que fez diferença nessa Cúpula foi a nova relação que os líderes da América Latina estabeleceram com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Conforme já havia antecipado, Obama não propôs nada. "Tenho muito que aprender e vontade de escutar", disse ele no discurso de inauguração.
A mudança de postura do morador da Casa Branca, cujos antecessores estavam acostumados a marcar a pauta e o ritmo da dança, foi bem recebida e, aproveitada. Durante a reunião com os países da Unasul (União das Nações Sulamericanas), Obama ouviu. Além de Chávez, os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Equador, Rafael Correa, criticaram a política intervencionista dos EUA na região nos últimos meses. Morales acusou o governo estadunidense de apoiar o movimento separatista boliviano, que tem sido o pivô da crise política no país.
Segundo uma fonte diplomática, Obama "anotou", se comprometeu a investigar os fatos e prometeu que "sob sua gestão, nenhum embaixador interferirá nos assuntos internos de outros países". Na avaliação de Maximilien Arvelaiz, assessor de Assuntos Internacionais da Presidência venezuelana, as transformações políticas que ocorrem na região "obrigaram" o novo governo estadunidense a mudar de comportamento em relação ao continente.
"Hoje, na América Latina, há lugar para distintos projetos que coexistem. A hegemonia política, econômica e cultural que os Estados Unidos mantinham na região está fragilizada", afirmou Arvelaiz ao Brasil de Fato. "O governo estadunidense já não se atreve a impor uma agenda como fazia antes", acrescentou.
"Obamismo"
Para marcar diferença em relação à política do "garrote", o presidente estadunidense lançou a "doutrina Obama". A seu ver, os EUA devem "ouvir e não só falar", "liderar pelo exemplo", "reconhecer que os outros países também têm interesses" e que "nosso poderio militar é só um braço do nosso poder; portanto, temos que usar nossa diplomacia".
Na opinião do analista político Mark Weisbrot , co-diretor do Centro de Pesquisas de Política Econômica (CEPR, na sigla em inglês) de Washington, Obama mudou o tom, mas não apresentou nenhuma mudança substancial à região. Para Weisbrot, o fato de Obama ter mantido os assessores para América Latina da gestão anterior é um dos indícios de que o novo governo não tem a região como uma de suas prioridades. "Enquanto mantiver a seu lado os assessores de George W. Bush, muito pouco poderá fazer", afirmou ao Brasil de Fato.
Do lado de fora do cenário, as críticas da Cúpula dos Povos (alternativa à oficial) à crise financeira internacional provocada pelos EUA e à política econômica neoliberal incentivada por Washington mostraram que não basta "um aperto de mãos" para que os latinoamericanos estejam convencidos de que a "era imperial" e suas consequências estão com os dias contados.
* Texto publicado na íntegra na edição 321 do Brasil de Fato.
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