Sobre a miséria e a desigualdade social


Por Leonardo Boff*


“Quase 40 milhões de pessoas passam fome no Brasil. No mundo são mais de um bilhão de famintos. (...) Para cada seis pessoas que habitam o planeta hoje, uma não tem o que comer. (...) A proporção brasileira é ainda pior. (...) Pelas contas do IBGE, mais de um a cada cinco cidadãos está sem comida no prato. (...) Um quinto da população daqui está com fome, em estágio de desnutrição ou subnutrição. Os números (...) foram divulgados recentemente pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a alimentação (FAO). (...) Há no mundo 8,6 milhões de pessoas com ao menos 1 milhão de dólares em caixa. O Brasil tem 131 mil milionários (em dólar). Está entre os dez primeiros no ranking dos países com mais milionários. É o fruto do seu histórico erro na divisão do bolo.” (*)

Os dados acima não deixam dúvidas: o Capitalismo, vinte anos após a queda do muro de Berlim, continua desumano e altamente concentrador de renda e riqueza. É inadmissível, hoje, que pessoas conscientes fiquem repetindo slogans usados na Guerra Fria como se fossem verdades absolutas. Capitalismo não é sinônimo de democracia e de igualdade de oportunidades, assim como Socialismo não é sinônimo de totalitarismo. Sistemas econômicos não podem ser confundidos com regimes de governo.

É possível uma democracia socialista, assim como existiram e ainda existem no mundo regimes ditatoriais em países capitalistas. Se a pressa é inimiga da perfeição, no caso das mudanças políticas e sociais, as duas coisas se tornam arquiinimigas e os apressados se tornam opressores, assassinos, torturadores e genocidas. Na busca da felicidade do ser humano, mais vale a evolução do que a revolução.

O Capitalismo sustentado no endeusamento do indivíduo está morrendo. Aqueles que usufruem de privilégios nesse sistema injusto e desumano tentarão, com todas as suas forças, prolongar sua agonia. Já aqueles que amam a humanidade sabem que caminhamos inexoravelmente para um novo sistema econômico. E, visando a construção desse novo mundo em que o Estado controlará a economia para distribuir renda e reduzir drasticamente a imoral e exacerbada desigualdade social vigente no planeta, eles continuarão seu trabalho de desmonte do sistema capitalista e de convencimento dos homens da superioridade do novo que há de vir sobre o velho que há de ir. Leonardo Boff define o novo como uma “hiperdemocracia que valorize cada ser e cada pessoa e garanta a sustentabilidade do coletivo que é a geosociedade nascente”. Não importa o nome que se dê à nova organização social e política que se impõe como necessária à sobrevivência futura da humanidade. O que realmente importa é que essa nova organização contemple o “equilíbrio entre o “eu” e o “nós” (...) que articula ambos os pólos. Ela acolhe o indivíduo (eu) e o vê sempre inserido na sociedade maior (nós) como cidadão” (**).

Quando lograrmos mudar a cabeça dos homens e torná-los fraternos e livres da atração febril que sentem pela riqueza e pelo poder e da admiração cega que nutrem pelos ricos e poderosos, não precisaremos de regimes de governo totalitários para buscar novos caminhos para a humanidade. Quando chegar a hora certa, as coisas acontecerão, a mudança virá e não teremos mais uma sociedade humana como a de hoje, que exibe friamente os números vergonhosos com que iniciamos este artigo e ainda transfere para as suas vítimas a culpa por suas próprias contradições.

(*) Fonte: Editorial da revista “ISTO É” Nº 2068.
(**) Leonardo Boff em “O individualismo tem ainda futuro?”

Enviada por Luiz Lyrio www.luizlyr.blogspot.com em 2009.

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