O Jornal Geraes volta a circular em edição especial hoje
OS OLHOS ABERTOS DO JEQUITINHONHA
No mês de março de 1978 nascia o GERAES. No editorial do número Zero escrevíamos: “Quando os olhos de nossa consciência percorrem o Vale, a visão de conhecimento e compreensão que adquirimos é acompanhada de um sentimento de desolação e miséria”. 32 anos depois voltamos a percorrer o Vale para ver se tudo continuava sendo “desolação e miséria”.
Encontramos em primeiro lugar o povo do Jequitinhonha com o seu abraço forte, sua alegria contagiante, sua força humana que pode derrubar cercas e porteiras e semear os campos e junto a tudo isso, sua cultura que resiste aos tempos, apesar do conteúdo da televisão, do axé, do breganejo e do pagode.
A desolação e a miséria já não se observam como antes mas ainda existe a pobreza. Hoje ela se concentra muito mais nas áreas urbanas das cidades do Médio e Baixo Jequitinhonha, que se alimentam fundamentalmente através do Bolsa Família e do dinheiro dos aposentados. A razão disso é que a terra está concentrada em grandes propiedades com baixa produtividade e pouca demanda de mão de obra e isso obrigou cada vez mais o camponês a fugir para a cidade. O Alto Jequitinhonha não sofre tanto desse problema, pois é formado por pequenas propiedades que ainda encontram em sua terra um meio de subsistência e assim enfrentar os desafios da pobreza. Esse aspecto demonstra de maneira irrefutável a importancia de uma verdadeira reforma agrária no nosso país, como instrumento de transformação social.
No seu aspecto político é como disse um velho amigo, “todos os velhos coronéis já foram enterrados, mas os novos querem mostrar suas caras”. No entanto e apesar dessa pouca mudança em relação ao cotidiano da política e aos políticos, encontramos sindicatos de trabalhadores rurais espalhados por todo o Vale, centros culturais, ONG,s, Centros de Pesquisa relacionados ao meio ambiente, o que significa um passo fundamental no proceso de organização social da população. E encontramos com um fato novo que não existía há 32 anos atrás: a organização do povo negro e sua cultura através da criação dos Quilombolas, o resgate de suas terras e o início de rompimento dos preconceitos raciais.
Mas encontramos também com o velho pasado e ele se chama: Eucalipto. Essa árvore sem fruta continua invadindo o Vale em nome do desenvolvimento econômico, em nome das grandes empresas siderúrgicas e com o apoio de todos os governos do estado de Minas Gerais que desde os anos 70 e até hoje incentivam, autorizam e oferecem gratuitamente terras públicas para serem usadas e consumidas de forma criminosa. O eucalipto mata e afugenta as nascentes e o cerrado, as flores, os frutos, os pássaros, os animais, o homem e a mulher, o ser humano. E junto com todos eles se afugenta também a cultura. Essa invasão criminosa das terras do Jequitinhonha pelas grandes empresas siderúrgicas que plantam o eucalipto deve ser barrada, enquanto ainda há tempo e para isso as concessões devem ser questionadas judicial e políticamente, contra empresas exploradoras e governo do estado de Minas Gerais, para o bem maior do vale.
Encontramos com a barragem de Irapé que também em nome do desenvolvimento engoliu terras, casas, bichos, flores e mandou os homens, as mulheres e as crianças para um outro lugar desconhecido. A cerca de concreto no corpo do Jequitinhonha não trouxe até agora nenhum benefício maior para a região.
A educação sem dúvida alguma mudou para melhor. Encontramos não só crianças e jovens esperando por seus ônibus escolares (antes todos caminhavamos a pé em busca da escola) como um imenso e belo campus em construção da Universidade Federal do Vale Jequitinhonha e Mucuri –UFVJM. Os primeiros beneficios já chegaram, as portas estão abertas, mas se o Vale não se organizar para discutir com a UFVJM o seu projeto, ele tardará mais tempo para chegar.
A televisão, apesar do seu conteudo, a rádio, a internet, a telefonia e as parabólicas (que estão por todo lado) diminuiram bastante o isolamento dos habitantes da região. Em relação aos jornais ainda falta muito, já que quase nada mudou desde os primeiros tempos do GERAES.
Novos trechos de estradas foram abertos e o asfaltamento das rodovias facilita o trânsito. Mas o Vale insiste que a BR-367 que liga Diamantina a Porto Seguro tem que ser finalizada urgentemente. Mas é preciso ter cuidado com tudo isso: como ficará a defesa do meio ambiente? E a especulação imobiliária? E o uso do tema pelos políticos sem escrúpulos com objetivos eleitoreiros? Alguém deseja ser o pai eterno de tudo isso!
São muitas coisas para falar, discutir, pensar e fazer. Nesse editorial oferecemos de maneira breve aos nossos leitores, as nossas primeiras impressões que encontramos no Vale depois de 32 anos do lançamento do numero 0 do GERAES. Esperamos que a leitura mais detalhada das matérias possa contribuir para uma maior compreensão da realidade política, econômica, social e cultural da região.
“Pensamos nas dificuldades que iríamos enfrentar para a construção desse objetivo, mas acreditamos na potencialidade adormecida do Vale”, escrevia o GERAES no mes de março de 1978. Agora e mais do que nunca temos certeza dessa potencialidade já não mais adormecida do povo do Vale. Fomos recebidos de braços abertos por todos aqueles, que há muitos anos atrás encontraram no jornal um instrumento para a sua luta; abraçamos fortemente muitos daqueles companheiros que fizeram parte do jornal e do seu movimento cultural FESTIVALE e; descobrimos a vontade de muitos em busca de um País melhor e de uma sociedade justa.
O vale continua a produzir um artesanato belo e criativo agora com técnicas mais refinadas, os grupos de teatro e corais se espalharam pelo vale e ganharam o mundo. O FESTIVALE resiste bravamente e isso por se só merece nosso apreço, mas precisa ser repensado, revitalizado, atualizado e o mais importante, ser referência na construção da política cultural do vale.
Temos a certeza que hoje OS OLHOS ABERTOS DO JEQUITINHONHA percorrem muito mais atentos os movimentos do Vale, brilhando o seu olhar nas águas do rio que, ainda abandonado por todos nós, sonha com aquele velho barqueiro que um dia navegou mansamente pelo seu leito, sem que as águas turvas da poluição ofuscassem o corpo do luar que sempre se banhou nas suas águas. Mas o sol continua brilhando junto aos OLHOS ABERTOS DO JEQUITINHONHA.
Expediente da Edição Especial do Geraes - Ano 33
Circulação no Vale do Jequitinhonha – MG
Publicação Independente
Equipe de Redação e Fotografia
Aurélio Silby - (aureliosilby@hotmail.com)
George Abner - (georgeabner@yahoo.com.br)
Tadeu Martins – (tadeu.martins@bol.com.br)
Colaboradores: Brisa Melo, Carlos Figueiredo, Clara Viana, Gustavo Campos e Vladimir Martins
Foto da Capa: Peças em cerâmica do artesão Edson, por George Abner
Jornalista Responsável: George Abner
Tiragem: 3.000 exemplares
Editoração: Brenda Marques
Diagramação: Sérgio Luz
Edição e Impressão: Gráfica do Jornal O Tempo
Endereço para correspondência:
Jornal GERAES – Rua Guajajaras, 37/804 – Centro
30.180-100 – Belo Horizonte – MG
http://blogdogeraes.blogspot.com
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