O jornalista Alécio Cunha e a poesia na imprensa mineira no dia do silêncio cinza

Por Brenda Marques, Presidente do Instituto Imersão Latina

Esta semana o Blog do Instituto Imersão Latina publicará textos do jornalista Alécio Cunha que deixa hoje tantos amigos sem fala, por causa da perda de um tão querido amigo que sabia colocar a poesia no caminho da imprensa mineira.

Começaremos com impressões críticas e poéticas sobre o trabalho de Aline Cântia, também amiga e jornalista, que é também uma das conselheiras do Instituto Imersão Latina. Posto também o poema de Rogério Salgado que expressa bem esse nosso sentimento de vazio provocado pela dor da perda da convivência.

A foto abaixo de Alécio Cunha, foi publicada no blog de Jovino Machado, que também presta homenagem ao jornalista poeta. http://jojomachado.zip.net/


Concerto para lá maior

(entre as nuvens)

Meus amigos estão todos indo embora

eu, por enquanto

vou ficando por aqui

com aquela sensação de vazio

preenchendo-me os poros

as artérias, a alma, os versos.

Revejo catedrais que outrora

pensei um dia, edificar

entanto, o tempo escorre pelas mãos

entra pelos ralos

sem que ao menos, possa segurá-lo.

Alguns recitam versos lá

outros cantam entre nuvens

e cá, ficamos nós, desatando nós

nessa insegurança tão imperfeita.

Meus amigos estão todos indo embora

embora seja verdade, devo aceitar

aguardando que um dia

numa viagem menor

eu possa ver estrelas, constelações

e desvendar enfim, os mistérios dessa vida.

Rogério Salgado

(in Trilhas – Belo Poético/2007)

O coador, a voz e a poesiaPor Alécio Cunha

Para Aline Cântia, por saber narrar.

Os lábios se movem lentamente. Com cuidado e paciência, dá para contemplar o mínimo instante em que a pontinha da língua ultrapassa a fronteira da boca, voltando rapidamente à sua geografia de origem. Bom mesmo é ouvir o resultado desses movimentos sutis, quando a voz entra em cena, burilando a brevidade do momento.


É a carne da linguagem, cerne que brota histórias, fruto de verdades alheias e construção, metamorfose a partir das vivências dos outros. Contar uma história não é ato fácil. Antes de mais nada, é resultado de longo processo de assimilação cultural, onde o coração de quem conta deve estar intimamente ligado ao de quem ouve.


Simbiose gestada pela escola dos afetos, de repente, estamos diante de um êxtase, ludibriados pela aventura da língua, fala que seduz, ora sintética, ora demorada.
E como é gostoso ser enveredado por estas trilhas. O ouvinte permanece sem eira, nem beira, à deriva de um vestígio qualquer. A linda moça que conta sua história, os cabelos negros e olhos de jabuticaba madura, não usa só a potencialidade da voz para extrair da história todo seu amálgama de fúria e delicadeza. O corpo, inteiriço, se insinua, abrindo leques à pluralidade da narrativa.


As mãos, ágeis, tiram da sacola o pó de café e o surrado coador. É impossível trazer ao terreno do escrito a emoção daquela narrativa. Dois objetos que se tornam amigos inseparáveis, sendo que os fragmentos de um, moléculas e átomos do outro, apostam em um amor híbrido e pulsante.


Esta história, apesar dos pessimistas de plantão, sempre muitos, tem, claro, um final feliz. Um dia, o pó de café chega à finitude frágil daquele pacote. O coador, amarrotado, ganha a ênfase do abandono.
Até que um dia, esses objetos tão sujeitos, transformados em um só, o pedaço de pano cheio de minudências de café, viram um prosaico vaso de flores, pura poesia.

Comentários

Aline Cantia disse…
Fica dificil. Dificil não. Impossível.
Impossível trazer para esfera da escrita a dor misturada à alegria de ter feito parte da ultima cronica que este poeta escreveu em vida.
Obrigada a ele. E a você, Brenda, pela dupla homenagem.
diOli disse…
a poesia está triste
e cinza
e cinza a cidade
cinza