Boal permanece vivo no Absurdo


Por Brenda Marques Pena*

Augusto Boal é sinônimo de uma poética política no teatro e assim sempre será, mesmo depois da sua morte, nesse domingo. No período do mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais, quando estudei Teatro Latinoamericano com o professor Fernando Antonio Mencarelli, a cada leitura sobre o teatro do Oprimido, percebíamos a importância de um dos diretores da resistência na América Latina, indicado ao prêmio Nobel da Paz de 2008. Hoje, compartilho aqui os comentários de Clevane Pessoa de Araújo Lopes, Vice-presidente do IMEL e um poema de Teresinka Pereira, amiga de Boal diante dessa difícil perda para a cena teatral brasileira.

"Estava na sala, ligo o compoutador e a notícia do falecimento de Augusto Boal, me atinge.Não o conheci pessoalmente, mas o admirava e trabalhei muito seus exercícios, com grupos de mulheres e adolescentes, pessoalemmnte.Havia sempre um efeito de alívio pós catarse quando tudo terminava.Eu fazia um relax e as pessoas sentiam-se em paz e mais conhecedoras de seu self .Gestalts eram fechadas,indagações brotavam.Mais tarde, abro o PC e encontro um sentido e-mail de Teresinka Pereira, brasileira e Presidente da IWA, que mora nos Estados Unidos".

(Clevane Pessoa, Poeta, psicóloga, Diretora Regional do inBrasCi e vice-presidente do IMEL)

AUGUSTO BOAL(1932-2009)

Naqueles anos de exilio
não qualificado de "tortura"
encenavamos o absurdo da vida
em um festival de teatro na California.

O absurdo nos fazia denunciar
a ditadura militar sem aceita'-la.
Hoje me entregas uma quota de absurdo
que nao me permite nega'-lo: tua morte.

Sentiremos tua falta,
companheiro Boal,
para sempre.

TERESINKA PEREIRA
3 DE MAIO, 2009

O poeta Paulo Lira também deixou um poema em homenagem a Boal no Facebook:

"Em Memória à Augusto Boal..."

Chegamos nesse mundo
Ninguém pediu para nascer
No fundo, lá no fundo
Guardamos um segredo
Sofremos por ter medo
Morremos num segundo
Parece absurdo
Uma razão pra tudo
Fizemos tantos planos
Ninguém pediu para sonhar
e com o passar dos anos
Ainda perdemos tempo
Ainda queremos tanto
Ainda porque somos
Espumas do oceano
Que ainda não conhecem o mar
A noite me diz que o dia já vem
Depois outro dia e outra noite
A vida me diz que a morte também
Depois outra vida e outra morte

PAULO LIRA

O filho do padeiro não ganhou o Nobel

O teatrólogo brasileiro Augusto Boal, o filho do Padeiro como se intitula em sua autobiografia Hamlet e o filho do padeiro: memórias imaginadas, estava entre os indicados ao Prêmio Nobel da Paz 2008. Boal não levou o prêmio, entregue a um finlandês, mas cabe aqui destacar a relevância do seu trabalho, bem como a influência no que desenvolvo nas aulas de artes com jovens.

Augusto Boal é um dos mais importantes criadores de teatro de sua época e a sua maior criação, o Teatro do Oprimido, é realizado em mais de 70 países por centenas de grupos em diversas áreas como educação, movimentos sociais e entidades socioculturais. Os grupos de Teatro do Oprimido ajudam milhões de pessoas a afirmarem sua cidadania em suas lutas contra o racismo, o sexismo e todas as formas de desrespeitos aos inalienáveis direitos humanos. Um teatro estruturado na relação dialógica, proposta por Paulo Freire na sua Pedagogia do Oprimido, a qual Boal se inspirou.

Tenho trabalhado nesta linha com os jovens da periferia da cidade. Utilizando desta potente ferramenta para conscientização de todos que a praticam. Considero minhas aulas como pequenos CTOs - Centros do Teatro do Oprimido. Onde procuro desenvolver caminhos para a transformação da realidade dos alunos, a partir da restauração de suas capacidades estéticas na melhor compreensão das relações que estabelecem socialmente. É um processo lento, respeitando individualidades nos coletivos, que vem apresentando resultados e se multiplicando.
Recentemente, Boal disse que não tinha expectativa em ganhar o prêmio, mas anda extremamente feliz porque recebeu apoio para nomeação de diferentes pessoas dos cinco continentes. Ainda neste ano o dramaturgo recebeu o prêmio da Fundação Príncipe Claus para a Cultura e o Desenvolvimento, entregue pela Família Real holandesa. No Brasil, não é tão reconhecido quanto no exterior, como em Nova York, onde existe o dia do Teatro do Oprimido, proclamado pela Prefeitura local.

O fato de Augusto Boal ter sido nomeado candidato já justifica a importância humanística do seu trabalho nos tempos líquidos em que vivemos. Repleto de violência sensacionalista, de falsidades ideológicas, da negligência com a cultura e com quem a faz. Em seu livro Teatro do Oprimido, de 1973, já dizia o que hoje representa sua condição: Tenho sincero respeito por aqueles artistas que dedicam suas vidas exclusivamente à arte - é seu direito ou condição! -, mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida. Assim o filho do padeiro segue, através do seu teatro, provocando reflexão sobre o humano que ainda há em nós.

Márcio Silveira dos Santos
Professor e Mestrando da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Postado no blog Revista Cena - http://www.revistacena.blogspot.com/

Abaixo, postamos o último texto de Boal para o Dia Mundial do teatro nesse dia de despedida do palco da vida.

Dia Mundial de Teatro
27 Março, 2009

Todas as sociedades humanas são espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos especiais. São espetaculares como forma de organização social, e produzem espetáculos como este que vocês vieram ver.

Mesmo quando inconscientes, as relações humanas são estruturadas em forma teatral: o uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a modulação das vozes, o confronto de idéias e paixões, tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos teatro!
Não só casamentos e funerais são espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua familiaridade, não nos chegam à consciência. Não só pompas, mas também o café da manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião diplomática – tudo é teatro.

Uma das principais funções da nossa arte é tornar conscientes esses espetáculos da vida diária onde os atores são os próprios espectadores, o palco é a platéia e a platéia, palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da nossa vida cotidiana.

Em Setembro do ano passado fomos surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras, genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de nós em países distantes e selvagens, nós vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa - nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era virtual, feia ficção de alguns economistas que não eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com soluções mágicas. Nós, vítimas de suas decisões, continuamos espectadores sentados na última fila das galerias.

Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão, peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o espetáculo, eu dizia aos meus atores: - “Agora acabou a ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir. Teatro é a Verdade Escondida”.

Vendo o mundo além das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades, etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel. Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que outro mundo é possível. Mas cabe a nós construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na vida.

Assistam ao espetáculo que vai começar; depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos olhos. Teatro não pode ser apenas um evento - é forma de vida! Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!

AUGUSTO BOAL


Saiba mais sobre Augusto Boal e o Teatro do Oprimido

Biografia de Augusto Boal
O Teatro na Época da Ditadura
Tendências Contemporâneas do Teatro Brasileiro

*Poeta, Jornalista, Mestre em Literatura e Semiótica, Presidente do Instituto Imersão Latina (IMEL).

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