Encontro de teatro comunitário reúne representantes de oito países latino-americanos


Cristiane Gomes - de Medellín, Colômbia*

Música, ritmos, cores e alegria inundaram as ruas da comunidade do bairro de Santa Cruz, periferia da cidade de Medellín, Colômbia, no desfile inaugural que abriu oficialmente o 13º Encontro Nacional Comunitário de Teatro Jovem, neste domingo (2). A comunidade do bairro se uniu a artistas e grupos de teatro, dança, música e circo para começar com uma grande festa, a atividade que já é tradicional não apenas em Medellín, mas em todo país.

Mais de duas mil pessoas participaram do cortejo. Entre eles, artistas, crianças, moradores da comunidade e convidados. “As pessoas do bairro esperam com ansiedade o cortejo de abertura do encontro. É assim todos os anos. Mais do que a alegria, a música, os grupos que participam, o cortejo representa a população de Santa Cruz que sempre nos acompanha com muita felicidade e carinho”, conta Adriana Rendón Rios, uma das integrantes da Corporação Cultural Nuestra Gente, que organiza o Encontro.

Dia 1º de novembro, houve a primeira apresentação teatral do encontro com o grupo Luz de Luna, de Bogotá, com a obra Aterra. A peça trata da dramática questão dos chamados desplazados (famílias camponesas que são obrigadas a deixar suas terras por conta da guerra entre paramilitares e guerrilha). A apresentação também integrou a programação da Mostra Desterro e Reparação, organizada pelo Museu de Antioquia.

Resistência pacífica

Já o desfile dos grupos aconteceu na tarde de domingo, (2) e seguiu pela noite, com shows de grupos de música colombiana, como a cumbia, o porro e, claro, a salsa. “Este encontro é muito significativo para Medellín e toda a Colômbia, porque comprova como a arte pode se converter em um significativo espaço de convivência e resistência pacífica”, afirmou o secretário de cultura cidadã de Medellín, Jorge Melguizo.

Além das apresentações de grupos de teatro comunitário de todo o país e do grupo Compañia Gestual de Chile, o encontro conta a participação de representantes de diversos grupos e organizações latino-americanas. Da Argentina, Guillermo Rodoni, secretário para América Latina da Associação Internacional de Teatro de Arte (AITA) e Adhemar Bianchi, diretor do grupo Catalinas Sur; do Brasil, Marcelo Palmares um dos diretores do grupo Pombas Urbanas; de Bolívia, Iván Nogales diretor da Comunidade de Produtores de Arte; do Chile, Vítor Soto, diretor da Escola de Atores Cerro Navia; de Cuba, Rafael Gonzales, diretor do grupo Teatro Escambray e Bárbara Rivero, do Conselho Nacional de Teatro; do México Pablo Moreno, diretor do Teatro Carpa Carlos Ancira; de Peru, Roberto de la Puente, do Teatro Vichama; e de El Salvador Julio Cesar Monje, diretor do Tiempos Nuevos Teatro.

Todos os convidados internacionais irão compartilhar suas experiências com o teatro em comunidade e com políticas públicas em seus países para o teatro. As discussões tiveram início ontem, terça-feira (3), quando teve início o 8º Seminário Nacional de Teatro, Pedagogia e Comunidade que, neste ano promove o Fórum Latino-americano de Políticas Teatrais. “A idéia é que este seja um espaço de diálogo entre artistas que trabalham com, para e em comunidades. Juntos iremos refletir sobre nossas ações como forma de estimular o trabalho que cada um desenvolve em sua região, seja ela na Colômbia, Brasil, Cuba, Argentina”, conta Jorge Blandón, diretor geral e um dos criadores do Nuestra Gente.

Diversas oficinas de atuação, direção e produção teatral serão realizadas durante toda a semana do Encontro. As atividades são abertas ao público em geral, mas a prioridade em participação é para os jovens que estão envolvidos nos processos de teatro comunitário desenvolvidos no bairro.

Arte como alternativa

A Corporação Cultural Nuestra Gente foi criada há 21 anos por um grupo de jovens moradores do bairro de Santa Cruz, região periférica de Medellín. Inconformados com a violência que recrudescia as relações comunitárias, assassinava a juventude e deixava a população aterrorizada, estes jovens começaram a fazer teatro pelas ruas do bairro.

Nesta época, Medellín vivia o auge do domínio do narcotráfico nos morros da cidade, dominados pela ação do mundialmente conhecido Pablo Escobar. Através da arte, este grupo de jovens tinham como desejo principal levar outras possibilidades de vida não somente à juventude, mas à toda a comunidade de Santa Cruz.

Com o passar dos anos, o trabalho foi se fortalecendo. Então, a comunidade se uniu em torno do trabalho e passou a apoiar a ação teatral que começava a ser desenvolvida. O grupo conquistou sua sede, a chamada Casa Amarela, onde são realizadas aulas de teatro, música, dança, títeres (teatro de bonecos). Hoje, cerca de 8 grupos formados por jovens atores e atrizes são ligados ao Nuestra Gente.

Quando o grupo organizou a primeira edição do Encontro Nacional, em 1995, Medellín vivia um período dramático. A morte de Pablo Escobar dois anos antes deu início a uma intensa onda de violência. Distintos grupos de narcotraficantes começaram uma guerra nos morros da cidade para disputar o domínio territorial que antes Escobar tinha sob controle. Mesmo assim, em um árduo contexto, os artistas do Nuestra Gente decidiram criar um espaço em que a solidariedade e o compartilhar tomariam o lugar da morte e do medo.

Nos primeiros anos em que o encontro aconteceu, os grupos davam uma trégua em sua guerra para que a atividade acontecesse sem problemas. Apesar de não compreenderem muito a ação daquela juventude que queria fazer teatro, os narcotraficantes respeitavam seu trabalho.

De lá pra cá, algumas coisas mudaram. A situação política na Colômbia segue complexa. A ação dos paramilitares e das guerrilhas continuam expulsando milhares de pessoas a cada dia de suas terras. O número de lideranças sociais mortas e desaparecidas também cresce. Em cidades como Medellín, a violência nos morros está mais controlada, e, na comunidade de Santa Cruz, o trabalho do Nuestra Gente se mostra como uma resistência pacífica à violência. “A transformação cultural e social que vemos hoje em Santa Cruz só foi possível graças aos moradores e moradoras do bairro que fez com que fosse possível o trabalho na comunidade”, conta Jorge Blandón.
*Boletim Brasil de Fato
http://www.brasildefato.com.br/

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