20 anos sem Chico Mendes: o intérprete dos anseios dos povos da floresta
Por José Rodrigues da Silva*
"Chico Mendes fez uma trajetória original no movimento sindical.De seringueiro se transformou em sindicalista e de sindicalista em ambientalista, sem perder o que havia de peculiar em cada uma dessas posições.Sua liderança era uma síntese:vivia com simplicidade de um seringueiro,era crítico com relação as condições econômicas e sociais dos trabalhadores no Brasil e incisivo quando propunha alternativas ao desmatamento na Amazônia. O impacto da morte dele revelou ao mundo suas qualidades:retidão de caráter,amplitude da luta para a humanidade e emoção nas ações que empreendia"(Mary Helena Allegretti, antropóloga).
O processo de ocupação do Acre deu-se a partir da segunda metade do século XVII e foi impulsionado pela busca de explorar uma "tal goma elástica" e ainda pela lenda de ser terra possuidora de mulheres guerreiras (amazonas), guardiãs do paraíso, a procura do Eldorado, lugar desprovido dos males humanos e com muita riqueza natural.
O desenvolvimento do mercado pneumático apresenta-se como elemento central da ocupação das terras acreanas e da Amazônia, quando da utilização em grande escala da goma elástica, momento que a Amazônia é divulgada como manancial inesgotável de matérias primas para esse fim,assim como terra prometida para os nordestinos assolados pela seca,deserto verde a ser ocupado explorado pelos sofridos habitantes do deserto árido.
As relações de produção implementadas na Amazônia criaram uma estrutura econômica e social que deixou milhares de seringueiros espalhados pela região,sendo que o barracão(centro das relações comerciais) era a expressão do espaço social onde as silenciosas vozes da grande batalha do enfrentamento das adversidades cotidianas, tomavam formas nos finais de semana. O isolamento,resultando do espaçamento das seringueiras na floresta, a ausência de aquisição dos avanços técnicos e científicos, a luta pela sobrevivência desenvolvem nesses homens da floresta a sensibilidade de apropriar-se dos elementos da natureza,onde aves, pássaros e até animais tornam-se referência guias para sua labuta cotidiana.
A visão coronelista foi implementada nas relações de produção com impacto no controle social, determinando as relações de trabalho nos seringais da Amazônia e de acordo com OLIVWEIRA, Luiz "o seringueiro que socialmente apresentava-se como livre, porém sua condição real era de um escravo.Escravo pela dívida, pelo isolamento e solidão, pela rotina de trabalho e da vida na floresta.O seringueiro era uma espécie de assalariado de um sistema absurdo. Era aparentemente livre,mas a estrutura concentracionista do seringal o levava a se tornar um escravo econômico e moral do patrão.Endividado não conseguia mais escapar".
As relações de produção alicerçavam . se no aviamento, onde na base encontra-se o produtor de matéria prima-vegetal, em seguida vem o seringalista e proprietário e os patrões dos seringais, acima destes as casas aviadoras,localizadas em Belém e Manaus e o ciclo fechava-se com a borracha para empresas de capital monopolistas na Europa e Estados Unidos.
A partir da segunda metade da década de 70, essa estrutura perversa foi intensificada com a chegada dos "paulistas", quando tentam imprimir um processo de expulsão dos seringueiros de suas "colocações" devastando os seringais e substituindo-os por bois. A tática dos paulistas dificultada pelas leis, incorpora elementos novos como: não fornecimento de mercadorias, obstrução de varadouros, proibição de desmatar para fazer roças,destruição de plantações,invasão de casas dos posseiros, compra de posses e benfeitorias por preços irrisórios, atuação de pistoleiros,ameaças e prisões por policiais a serviço dos proprietários.
A nova fisionomia do sistema produtivo na Amazônia imprimida pelos "paulistas" deixaram aos seringueiros apenas duas alternativas: resistência ou abandono, grande contingente abandonou migrando para os seringais da Bolívia, constituindo os brasivianos que chegam a somar aproximadamente 60 mil, e outros tantos que submetem-se ao trabalho assalariado,biscates, farofas frias,ocupam a periferia de Rio Branco, vivendo pobreza absoluta.
Mesmo incorporados a um sistema de produção atrasado, descrito por Euclides da Cunha como "a mais imperfeita organização de trabalho que engendrou o egoísmo humano", as experiências objetivas permitem aos seringueiros a elaboração de uma identidade, instituindo-se sujeito coletivo a partir de suas posições assumidas enquanto cidadãos da floresta e qualificando-se enquanto movimento na instituição de campos de conflitos, tornando visíveis a prática de poder até então ocultas.
Em julho de 1975 a CONTAG se instala no Acre e com ajuda da Prelazia Alto - Purus ,que orienta-se pela Teologia da Libertação, inicia um processo de denúncias e orientação dos direitos agrários e elabora a cartilha do seringueiro, onde expressa a questão da terra , enquanto essência da subsistência desses povos , tornando-se centro do da pauta das reuniões.
O movimento fundamenta-se na luta contra o desmatamento e busca de uma alternativa que garantisse a preservação da Floresta Amazônica e o futuro das gerações extrativistas.Traçam seus objetivos,identificam seus inimigos,alcançam o mundo que os envolvem e elaboram uma história comum de negação do "caduco" sistema produtivo e suas relações sociais e vivenciam experiências de prática democráticas nas suas relações, gerando a consciência de interesses comuns na luta pela ampliação dos direitos de cidadania.
A luta dos seringueiros transcende os limites da floresta e alcançam um conteúdo característico das lutas modernas,com uma tática que, Moisés Diniz caracteriza como "intermediária entre o pacifismo e o belecismo (o empate) que é uma forma de luta nova que combina o pacifismo da espera, produzindo aliados, com o belicismo do enfrentamento. "O "empate" é o elemento central dessa engenhosa luta,onde aparentemente tem conteúdo de resistência mas, na essência,é uma ação dirigida para frear o desmatamento,onde seus soldados são constituídos de crianças, mulheres, homens jovens e anciãos, impulsionados pelos elementos da consciência social de sobrevivência.
O experimento de uma luta em busca da sobrevivência leva o movimento a desenvolver uma alternativa de desenvolvimento para a Amazônia . as Reservas Extrativistas. Reconhecem - se como parte dos povos da floresta, enquadrados no mesmo sistema de exploração e avançam construindo Aliança dos Povos da Floresta. O Conselho Nacional de Seringueiros incorpora como tarefa central a defesa da Amazônia, interferindo nos rumos das grandes políticas desenvolvimentistas para a Amazônia e torna-se um parceiro disputado pela política internacional de cooperação.
Chico Mendes compreende esse momento como um processo "A cada luta, a cada momento a gente vai avaliando e sempre descobrindo que aquela era a única forma de se continuar resistindo então surgiu a proposta do sindicato de Xapuri de realizar um trabalho de educação popular para facilitar mais o desenvolvimento da luta, a aproximação e a adesão maior dos trabalhadores (...) E se desenvolve um processo que começa a dar certo , a fortalecer muito mais o movimento dos seringueiros.
A luta desenvolvida no Acre em torno da terra até o início de 88 resultou em 45 empates, sendo 15 vitórias , 400 prisões, 40 torturas e assassinatos.Esse quadro demonstra que o movimento foi permeado por conflitos .Houve no entanto a permanência de muitos seringueiros e ou posseiros em suas unidades produtivas, com ou sem intervenção do poder público.O resultado maior foi o fortalecimento da luta e a proposta de criação de Reservas Extrativistas.
As reservas extrativistas surgem como uma redefinição do uso do solo nas áreas extrativistas, sendo que nelas a terra pertence a União com usufruto dos seringueiros ou dos trabalhadores que nelas habitam, pois na floresta não vivem só seringueiros.Essa proposta cria uma nova função social da terra ,onde a garantia do bem estar não se vincula somente ao homem,mas nos componentes homem e natureza onde essa seja desenvolvida socialmente de forma a garantir a sobrevivência dos que nela habitam.
O documento final do Encontro Nacional de Seringueiros em 1985 expressa o seguinte conceito de Reservas extrativistas:"Do conceito de Reserva indígena,captaram a idéia de uma área projetada pelo estado, e do extrativismo o reconhecimento de uma atividade econômica própria, diferenciada dos demais trabalhadores rurais , especialmente do colono".
O fortalecimento do movimento, a criação de uma rede de apoio nacional e internacional e a transcendência dos limites da floresta para uma organização de resistência, contextualizada no conjunto dos Movimentos Sociais dos anos 70 e 80 , conduz os proprietários rurais à novas formas de combate ao avanço da organização dos povos da floresta e no início de 88 instalam no Acre a UDR. Em dezembro do mesmo ano assassinam Chico Mendes que é a referência maior da organização dos trabalhadores da Floresta Amazônica.
Em junho de 1989, a Aliança dos Povos da Floresta é consolidada,no 2º Encontro Nacional de Seringueiros e 1º Encontro Nacional dos Povos da Floresta. No centro da mesa uma cadeira coberta com um pano preto, simbolizava a presença de Chico Mendes, homem simples, filho da floresta, que a partir de uma leitura crítica de sua práxis na floresta, constrói um movimento reconhecido pelo mundo inteiro como de fundamental importância para a garantia da continuidade de sobrevivência da espécie humana na floresta Amazônia.
As pegadas deixadas por Chico Mendes, enquanto filho da floresta Amazônia e protagonista de uma luta que tirou milhares de seringueiros das atrocidades do sistema produtivo atrasado levou o Acre a deslocar-se no final dos anos 80 da ponta do Brasil onde o vento faz a curva para os mais importantes centros da modernidade capitalista, cito ONU, BIRD, HAIA, WALL STREET, FIANCIAL TIMES, WASHINGTYON.
*José Rodrigues é filósofo,ex-assessor do Conselho Nacional de Seringueiros
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Associação Cultural José Martí -MG "Com todos e para o bem de todos"
R. Carijós,136 sala 904- Centro - BH-MG - Fone: (31) 88059701
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