A escola da ponte e as fontes



Por Selvino Heck*

“A educação é um meio. Não é só ir na escola aprender português e matemática e tirar boas notas. Educação é um conjunto de outras coisas, que vai além do tradicional. É preciso que ela se dê na realidade do aluno, que ele se veja aprendendo para a vida. E para o jovem ficar na roça, precisa de condições. Ele tem direito a computador como qualquer outro aluno da cidade, ele tem direito a lazer, ele tem direito a estudar mais, não só o primário. Ele precisa querer e gostar de ficar na roça e ter todas as condições para isso”.

Foi a manifestação de Graça Amorim, da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Fetraf), do Maranhão, na XXXVII reunião da Seção Brasileira da Rede Especializada da Rede Especializada da Agricultura Familiar (Reaf) do Mercosul, Brasília, maio de 2013. O tema em debate era a juventude: os problemas da educação no campo, a migração campo-cidade, o acesso à terra, a institucionalidade do tema juventude rural, um sistema de produção sustentável, entre outros.

Dias antes passou por Brasília José Pacheco, assim apresentado em ‘José Pacheco e a Escola da Ponte’, entrevista de Cristiane Marangon: “O educador português conta como é a Escola da Ponte, em que não há turmas, e diz quem quer inovar deve ter mais interrogações que certezas. José Pacheco não é o primeiro, nem será o último, a desejar uma escola que fuja do modelo tradicional. Ao contrário de muitos, no entanto, o educador português pode se orgulhar por ter transformado seu sonho em realidade. Há 28 anos ele coordena a Escola da Ponte. Apesar de fazer parte da rede pública portuguesa, a escola de ensino básico, localizada a 30 quilômetros da cidade do Porto, em nada se parece com as demais”.

José Pacheco está querendo implantar suas ideias e práticas de educação em Valparaíso, Goiás. Nas conversas, com a presença de Pedro Pontual, educador popular e diretor do Departamento de Participação Social da Secretaria Geral da Presidência, defendeu que é preciso sair de um sistema de ensino para um modelo e uma pedagogia de aprendizagem, isto é, sair de um modelo de século XIX para um modelo do século XXI, e que o Brasil, por suas características de povo, de história e de experiências educacionais, tem tudo para dar este salto.

A Escola da Ponte não segue um sistema baseado em seriação ou ciclos e seus professores não são responsáveis por uma disciplina ou por uma turma específica. As crianças e os adolescentes que lá estudam, muitos deles violentos, transferidos de outras instituições, definem quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em grupo como individuais. A cada ano, as crianças e os jovens criam as regras de convivência que serão seguidas, inclusive por educadores e familiares. É fácil prever que problemas de adaptação acontecem. Há professores que vão embora e alunos que estranham tanta liberdade. Nada, no entanto, que faça a equipe desanimar. É preciso ser criativo e ousar, num país em que a presidenta Dilma está colocando a educação como prioridade máxima, ao lado do fim da miséria. Aliás, como disse a presidenta, ‘o fim da miséria é só o começo’.

A experiência da Escola da Ponte começou em 1976. Relata José Pacheco, o professor Zé, como gosta de ser chamado: “Até 1976, a escola era igual a qualquer outra de primeira a quarta série. Cada professor ficava em sua sala, isolado com sua turma e seus métodos. Não havia comunicação ou projeto comum. O trabalho escolar era baseado na repetição de lições, na passividade. Naquele ano, havia três educadores e 90 estudantes. Em vez de cada docente adotar uma turma de 30, juntamos todos. Nosso objetivo era promover a autonomia e a solidariedade. Antes disso, chamamos os pais, explicamos o nosso projeto e perguntamos o que pensavam sobre o assunto. Eles nos apoiaram e defendem o modelo até hoje”.

A diferença está no seguinte: “Nós acreditamos que um projeto como o nosso só é viável quando todos reconhecem os objetivos comuns e se conhecem. Isso não significa apenas saber o nome, e sim ter intimidade, como em uma família. É nesse ponto que o projeto se distingue. O viver em uma escola é um sentimento de cumplicidade, de amor fraterno. Todos que nos visitam dizem que ficam impressionados com o olhar das pessoas que ali estão, com o afeto e a palavra que trocam entre si”.
Quando perguntam ao professor Zé se o modelo pode ser seguido, ele responde: “Não defendo modelos. A Escola da Ponte fez o que as outras devem e podem fazer, que é produzir sínteses e não se engajar em um único padrão”.

A educação popular, na pedagogia do educador Paulo Freire, tem muito a diologar com a Escola da Ponte. A educação popular freireana sempre parte da realidade do educando, propõe a dialogicidade e a construção coletiva, tendo a amorosidade como cimento das relações. O educando não é objeto, mas sujeito. Sujeito de direitos. É a educação não formal, forjada nos movimentos sociais, na base popular, que mantém vivo o sonho
da transformação da sociedade.

Graça Amorim talvez não saiba da Escola da Ponte, mas certamente ouviu falar de Paulo Freire e sua pedagogia libertadora e da autonomia. Em tempos de 2ª Conferência Nacional de Educação, cujo tema central é ‘O Plano Nacional de Educação (PNE) na articulação do Sistema Nacional de Educação: participação popular, cooperação federativa e regime de colaboração’, em realização, são ideias e práticas que podem levar a educação brasileira para o século XXI.

*Selvino Heck assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.

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