HAITI (ai de tí, Haití, que não te perdoam teu orgulho original)

Tania Jamardo Faillace*

A questão da migração de grandes grupos ao que imaginam ser um destino dourado de liberdade e qualidade de vida, é tratada de maneira muito superficial, inclusive sob o ponto de vista ideológico, ora invocando-se o dever da caridade e da solidariedade, ora ignorando seus efeitos sociais sobre essas populações e as populações locais.

O homem é um ser originalmente nômade. Grandes grupos deambulavam pelos continentes em busca de espaço vital, água, alimentos. Quando encontravam outros já assentados, lutavan com eles, e frequentemente os devoravam, já que o homem é um ser onívoro, e, portanto, potencialmente canibalesco.

A sedentarização melhorou essas condições de disputas constantes e de deslocamentos com fome.

A sociedade de classes novamente pôs em questão o nomadismo econômico.

Não é possível que todos se agrupem nas cidades porque há crise no campo. Não é possível que todos os povos do mundo se transladem às regiões melhor dotadas.

Se se desejam soluções verdadeiras, devem ser atacadas suas causas, que é uma só, como sabemos – o sistema capitalista, e agora, a Nova Ordem Mundial.

Contrariamente, as falsas soluções sociais, como tirar de uns pobres para dar a outros ainda mais pobres, estabelecem conflitos de interesses entre as populações já estabelecidas e os recém chegados.

A diferença entre o que aconteceu na América com a invasão européia, quando os europeus migrantes apoderaram-se dos recursos indígenas, e as ondas migratórias de hoje, é que os recém chegados de hoje têm poucos ou nenhum recurso para dominar os autóctones. Em séculos anteriores, esses europeus pobres migrantes dispunham da força militar e política dos governantes coloniais.

Em troca, os autóctones de hoje são deslocados de seus espaços sociais, laborais e econômicos, enfrentando a concorrência desses novos despossuídos, que derrubarão suas conquistas laborais duramente alcançadas.

É essa a origem do repúdio aos migrantes hoje na Europa, pois que eles são identificados como uma das causas do fim do estado do bem estar social.

A tudo isso, devemos agregar os choques culturais e religiosos. Haja vista a polêmica sobre o véu islâmico em países onde as mulheres já alcançaram alguma autonomia, e as máscaras (muito usadas normalmente na Idade Média e Renascimento) hoje são identificadas como disfarce para o cometimento de crimes pelo anonimato que garantem.

A migração moderna num mundo densamento ocupado não pode fazer-se ao acaso. Desordena justamente o habitat da população trabalhadora, geralmente a mais hostil aos recém chegados (as classes média e média alta - estudantes e seus pais - os aclamam ou defendem, porque não somente não são seus rivais econômicos, como se oferecem a sua exploração trabalhista).

O problema real dos haitianos não é a regularização de sua entrada - esta é somente uma conseqüência das perversas causas que determinaram sua migração.

Haiti necessita que o deixem em paz. Que saiam todos os ocupantes, ONU inclusive, de seu território, e que se permita a seu povo manter e resgatar sua identidade segundo suas próprias escolhas. Não podemos decidir por eles o que lhes serve, e se o obterão mediante a democracia formal, o cooperativismo socialista, ou um regime autoritário, mediante voto ou mediante revolução armada.

Não nos cabe dizer-lhes o que devem fazer. O que os outros países poderiam fazer a esse respeito - se fossem honestos seus governos e instituições - seria oferecer-lhes um capital inicial a fundo perdido para reconstruir seu país, em produtos, sementes, tecnologias de seu interesse, assistência à saúde e educação.

E deixar de persegui-los com o projeto Haarp e outros meios monstruosos de geoengenharia que são usados de forma descarada, como o célebre terremoto que respeitou a linha de fronteira com a República Dominicana (um terremoto informaticamente inteligente).

Não é solução para os haitianos ser mão de obra de reserva, trabalhadores clandestinos ou inferiorizados, colaborando para a escravização de todos os demais trabalhadores, sem cidadania própria e poder político.

A caridade é um ardil dos poderosos para manter a submissão dos pobres e impedi-los de conquistar sua autonomia. Se trata aos haitianos como a uma horda de deficientes mentais e incapazes de autonomia e soberania.

Esquecemos que Haiti foi o primeiro lugar do Caribe e América Latina a conquistar sua independência política e formar a primeira nação negra do continente, e criar um pensamento original.

Brasil e outros países neoliberais têm interesse em aproveitar essa migração de desesperados para reduzir ainda mais os salários de seus trabalhadores.

A “cortesia” de oferecer regularização migratória a esses fugitivos das Nações Unidas (que não lhes permitem viver em sua terra sem tutela), é devida ao interesse de escapar à condenação dos movimentos internacionais contra a escravidão, mas, de fato, contam com eles para compensar o fim do velho comércio de escravos desde a África.

Não nos iludamos. Há lucros previstos pelo neoliberalismo ligados a esse comércio de carne humana, cada vez maior, e por uma mão de obra totalmente à mercê de sua “generosidade”.

Também lhes interessa o conflito de etnias e culturas – a mesma estratégia usada para o seqüestro africano histórico: dividir para reinar.

Saiam de Haiti, ocupantes ilegais e ilelgítimas da ONU e estados cúmplices! Os haitianos necessitam somente que os deixem em paz! Não necessitam de tutela e sim, de respeito a sua soberania!

*Tania Jamardo Faillace
jornalista e escritora de Porto Alegre, Brasil

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