Quem seriam as mulheres guerreiras do 3º milênio? É o que pretende descobrir a fotógrafa Elza Lima
Quando os exploradores espanhóis Gaspar de Carvajal e Francisco Orellana deixaram a cidade de Quito (Equador), em busca do El Dorado e da Terra da Canela, há quase 500 anos, encontraram no meio do caminho uma surpresa. Foram atacados pelas Amazonas, quando navegavam pela foz do Rio Nhamundá - que separa os Estados do Amazonas e Pará. As guerreiras deixaram descendentes, mulheres do século XXI com hábitos e a vaidade diferentes das amazônidas urbanas. A fotógrafa Elza Lima registrou momentos dessa realidade, apresentados na exposição "O Lago da Lua ou Yaci Uaruá - As Amazonas do rio mar", aberta para visitação a partir de hoje (16), na galeria do CCBEU, em Belém do Pará.
O trecho do rio Nhamundá chamado de "Espelho da Lua" teria sido o local de encontro entre os espanhóis e as Amazonas. Carvajal registrou a expedição em um diário, no qual descreveu as mulheres. Estavam desnudas, mas com as partes íntimas cobertas. Carregavam arco e flechas e lutavam como homens. Foi ele que as denominou Amazonas (do grego, a: sem; mazós: seios). Uma referência às guerreiras da mitologia grega que amputavam um seio para melhor manipular a arma. No ataque, as guerreiras dispararam flechas e acertaram o olho esquerdo de Carvajal.
Para Elza Lima, o local é mítico e aguçou nela a curiosidade sobre quem são e como vivem as mulheres descendentes das guerreiras do século XVI. Descobrir a Amazônia também tem um valor afetivo para a fotógrafa. A paisagem da floresta faz parte da sua infância. Ela fez muitas viagens para municípios paraenses na companhia dos avós. Cresceu rodeada de água doce, vegetação densa, po-po-pôs, canoas e ouvindo lendas e histórias das comunidades interioranas. As narrativas constituíram seu imaginário e lhe provocaram um questionamento: sua memória teria lembranças do real ou seria imaginação?
A exposição "O Lago da Lua ou Yaci Uaruá - As Amazonas do rio-mar" venceu o XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de fotografia, da Fundação Nacional de Artes (Funart). A expedição de Elza Lima navegou pelo rio Nhamundá, localizado no Baixo Amazonas, passando pelos municípios de Nhamundá, Juruti, Faro e Terra Santa. Nestes cenários, foram feitas 44 fotografias sobre mulheres arrimo de família que batalham para cuidar do marido, filhos, da casa e de si mesmas, em uma cultura que tem na simplicidade sua principal característica, na opinião da fotógrafa.
O curta-metragem mostrará um pouco dessa realidade e trará depoimentos das Amazonas de hoje. Elas conversaram com a fotógrafa sobre como é viver na floresta, sobre as dificuldades que enfrentam e os prazeres de morar em contato com a natureza. "[É uma] cultura muito diferente, estamos muito habituados com tecnologia, moda, ar condicionado, com o secador de cabelo, maquiagem. Elas vivem lá sem precisar de nada disso, com vestidinhos tão bonitos...", diz Elza, admirada.
Fotos mostram a maior seca do rio
Foi fotografando a Amazônia que Elza compreendeu suas ideias a respeito da região. Aproveitou a sensibilidade para mostrar, a partir da fotografia, o olhar dela sobre uma floresta tropical em extinção. A exposição é consequência de duas viagens realizadas com um intervalo de sete anos. Na primeira delas, Elza Lima esteve em Quito (Equador). Visitou o início do rio Napo, onde Carvajal construiu a nau e de onde partiu a expedição.
No ano passado, Elza passeou pelo rio Amazonas e visitou o Espelho da Lua. Encontrou a paisagem da maior seca do rio dos últimos 100 anos. "Fiquei chocada de ver o maior rio do mundo com as cores do sertão", lembra. Para mostrar os tons de ocre do fundo do rio seco e os reflexos nas águas amazônicas que resistiram à seca, ela optou pela primeira vez por fotografias coloridas. Alguns registros dessa viagem estão no site www.elzalima.com.br. A cinegrafista Lu Magno acompanhou a fotógrafa.
Impressionada com o impacto ambiental da seca, Elza Lima diz: "Em 26 anos (fotografando a região), nunca tinha visto o rio Amazonas tão seco. As pessoas têm que olhar de imediato a questão climática, olhar o que estamos jogando de entulho no mundo".
Beleza natural e simples é valorizada
Elza Lima valoriza nas fotografias a beleza natural e simples das mulheres. Desde meninas, como a Raimunda de 13 anos que mora em área de queimada e brinca com papagaios, a senhoras como a Raimunda que foi abandonada pelo marido e criou sozinha os filhos que teve com ele. Na parede da casa dela, a fotografia rasgada que deixa à mostra apenas o ombro do ex-marido, denuncia a persistência da mágoa. A exposição mostra também outro conceito da beleza feminina. São mulheres que convivem com o rústico, o esmalte de unhas e, algumas, a tatuagem. Como a pescadora que mora próximo ao "Espelho da Lua" que marcou a coxa permanentemente com uma rosa.
Todas as histórias a fotógrafa descobriu a partir de enquadramentos que lhe chamavam atenção. "Estava trafegando no rio de barco e vejo uma cabaninha de palha. Disse: ‘pára, deixa eu ver quem mora nessa casa’. Uma menina morava lá, com um filinho pequeno que brincava com coisas da natureza, como ossinhos. (Pensei:) a vida é tão simples, não precisa de grandes brinquedos para se divertir. (Elas) vivem numa calmaria que as pessoas da cidade precisam", reflete.
Serviço
Exposição "O Lago da Lua ou Yaci Uaruá - As Amazonas do rio-mar", de Elza Lima. Até 30 de março, na galeria do CCBEU (Tv. Padre Eutíquio, 1309, Belém, Pará, Brasil). Visitação: segunda a sexta, de 10h às 12h; das 13h30 às 19h30. Sábado, de 9h às 12h. Entrada gratuita. Informação: (91) 3221-6107.
Fonte: Amazônia Jornal
Enviada por Ilma Zen
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