A inútil e perigosa militarização da segurança pública

Soldados usando máscaras de guerra no Rio de Janeiro
Por Sandro Ari Andrade de Miranda

Crianças sendo revistas com um fuzil virado para as suas cabeças, mulheres violadas na sua intimidade por soldados, tanques de guerra circulando nas ruas dos bairros mais pobres da cidade. Não estamos falando da Síria, da Faixa de Gaza ou de qualquer outro lugar do mundo onde exista uma guerra civil declarada, mas do Rio de Janeiro, cartão-postal e uma das mais importantes cidades do país.

O brasileiro, que tanto conta vantagens pela sua conduta cordial, por não enfrentar guerras ou furacões, assiste em compasso de espera a violação da dignidade dos cidadãos e cidadãs cariocas e fluminenses como se isto fosse algo natural. Não é. Para iniciar, é uma violação da Carta Constitucional de 1988, documento que cada vez mais foi transformado na triste expressão de Lassale: “um pedaço de papel”.

O debate sobre a militarização das polícias não é novo, nem nacional. Ele nasceu com a desculpa do combate ao tráfico de drogas e ao terrorismo, fomentando a criação de verdadeiros exércitos, aparelhados com armas pesadas em países como Brasil, México, Colômbia e Estados Unidos, onde a guerra civil foi declarada pelo estado contra os subúrbios pobres, locais em que supostamente estariam escondidos traficantes de drogas e o crime organizado.

Mesmo que os fatos provem o contrário, quando observamos a apreensão contínua de drogas em fazendas de pessoas de alta renda e núcleos de classe média alta, segue a lógica discursiva de “guerra” contra a periferia. Por quê? A primeira resposta é simples, uma população com medo tem dificuldades para reagir a um sistema opressivo. A segunda, também evidente, é que o comércio de violência para as regiões com maior concentração de população alimenta o rico mercado de material bélico, inclusive para os excedentes das invasões ao Iraque e ao Afeganistão. A terceira, é esconder a inação do estado na implantação de políticas públicas e de urbanização. É mais fácil manter a população acuada diante de blindados, do que investir em saneamento, habitação, meio ambiente e lazer dentre outras. 

Também há um traço racista escancarado nas ações de policiamento militar pois na periferia onde encontramos as populações descendentes de negros, indígenas e outras comunidades que são vítimas de uma dívida social gigantesca. Depois da violenta ação policial em Ferguson, no Missouri, em 2014, quando a polícia branca atacou os manifestantes negros com blindados e armas de grosso calibre, a União Americana de Liberdades Civis (ACLU) liberou o relatório “A Guerra Chega em Casa: a Excessiva Militarização da Polícia Norte-Americana”, onde denúncia o gasto de bilhões de dólares na compra armas de guerra pelas forças policiais, como blindados, helicópteros e metralhadoras capazes de destruir paredes.

Há um problema ético que os defensores da militarização não conseguem responder. O papel da polícia é defender a sociedade, uma tarefa civil. Já o papel dos militares é defender o estado. Quando os interesses do estado e da sociedade civil estão em conflito, onde ficam as forças militares? O que se vê no Rio de Janeiro é uma resposta evidente, pois os direitos civis estão sendo violados constantemente pelas “forças de ocupação”. É exatamente isto, não se verifica no Rio uma preocupação real com a segurança, mas a implantação de um regime de guerra contra a periferia que só é aplaudido pelos amantes do ódio.

O pior é que o problema da militarização só se agrava. Até as guardas municipais estão começando a se armar como exércitos. Parece que a palavra cidadania foi esquecida em algum livro empoeirado na estante.

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