Ser Pai

Foto: Carlos Drummon de Andrade esculpido em Bronze na Praia de Copacabana. Foto tirada na ocasião do lançamento do livro Nós da Poesia 2 na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 2011.



SER 
(Carlos Drummond de Andrade)

O filho que não fiz
hoje seria homem 
ele corre na brisa, 
sem carne, sem nome.

Às vezes o encontro
num encontro de nuvem. 
Apóia em meu ombro 
seu ombro nenhum. 

Interrogo meu filho, 
objeto de ar: 
em que gruta ou concha 
quedas abstrato? 

Lá onde eu jazia, 
responde-me o hálito, 
não me percebeste, 
contudo chamava-te 
como ainda te chamo
(além, além do amor) 
onde nada, 
tudo aspira a criar-se. 

O filho que não fiz 
faz-se por si mesmo. 

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Organizada pelo autor. 16a. edição. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1983.


O inenarrável sono eterno do filho de Drummond

Os biógrafos do poeta Drumond dizem que o poema acima possivelmente possa ter sido escrito por causa da morte de seu filho Carlos Flávio meia hora após o nascimento em decorrência de complicações no parto. O acontecimento dramático teve funda repercussão no poeta.

No dia 21 de março de 1927, no fim da tarde, depois de quase dois dias de penoso trabalho de parto, Dolores deu à luz um menino. O nome já tinha sido escolhido: Carlos Flávio. Mas ele não viveria mais de meia hora, asfixiado pelo cordão umbilical, e assistido na sua agonia pela impassibilidade ou impotência de dois médicos.

Conhecem-se poucas reações de Drummond com relação à morte do filho. .. . Há uma . . . carta, escrita dois dias depois da morte de Carlos Flávio, tão mais comovente na medida em que nela Drummond chega a falar até no que sentiu quando se soube pai pela primeira vez, durante o pouco tempo de vida do filho. Na carta, em que a dor ecoa seca de cada frase, Carlos Drummond de Andrade comunicava ao irmão e à cunhada que, depois de sofrer dezessete horas, Dolores dera à luz um menino “enorme e robusto”. Ele viveria apenas meia hora: “nasceu às 4h15 e morreu às 4h45”, anotou o pai na carta ao irmão.

O mais duro é a sua confissão de que, na “experiência e até na alegria que senti no momento de ver meu filhinho”, ele nem notou o seu estado. Estava “roxo”, conta ele, e desfalecido. Ao voltar a si, sem chorar, “gemendo apenas”, anota mais uma vez o pai no seu sofrimento, ele foi batizado às pressas, no banho, pela parteira. Depois, ao fechar os olhos, talvez ele estivesse dormindo, pensou Drummond, mas na verdade estava morto. A carta é monstruosamente sofrida, justamente porque narra algo inenarrável. Drummond não falaria mais na morte de Carlos Flávio.

Enviado por: André Luis Aquino 
http://queninguemdurma.blogspot.com
http://andreaquinopolitica.blogspot.com

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